Recentemente, a discussão em torno do Marco Legal dos Games tomou um novo rumo após o senador Irajá Silvestre, relator do PL 2.796/2021, defender a remoção dos jogos eletrônicos do texto para que este beneficie somente os chamados fantasy sports, que são jogos virtuais inspirados em ligas esportivas reais, podendo ou não requerer o depósito de dinheiro para participação.
O texto inicial é de autoria de Kim Kataguiri (DEM/SP) e defendia, principalmente, a redução de impostos e regulamentação do mercado no país, com algumas ressalvas apontadas pelos profissionais da área na época; como o fato que softwares, de forma geral, estavam apontados como games. Embora o texto fosse simplista, ele sugeria a liberação e aprovação de games para “fins terapêuticos”, “didáticos” e de “recreação”, bem como solicitava que o Estado apoiasse a “formação de recursos humanos para a indústria de jogos eletrônicos”.
A adição dos chamados “jogos de fantasia” — termo que não diz respeito a jogos de ficção de forma geral — de maneira separada dos jogos eletrônicos veio somente após a Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS) tomar a frente do PL. Em fevereiro deste ano, o presidente da associação, Rafael Marcondes, destrinchou as diferenças de ambos os “gêneros de games”; na entrevista em questão, o profissional focou em explicar a importância dos fantasy sports e seu crescimento no Brasil, ainda que esse não tenha sido o foco inicial do PL.
Embora a ABFS tente se distanciar dos jogos de azar por definição ao explicar que a categoria não depende exclusivamente de sorte, os fantasy games ou sports estão presentes em famosos sites de apostas esportivas — como o popular Bet365. Existe, ainda, a errônea relação do tema para com os esportes eletrônicos: criou-se um falso discurso de que as modalidades dependem da habilidade do jogador para distanciar o assunto de apostas, sem levar em conta que o retorno positivo ainda depende exclusivamente de uma boa atuação do time escalado ou de uma jogada específica, por exemplo.
Em seu site oficial, a ABFS destaca que fantasy sports geram “o ganho ou a perda de pontos a partir de estatísticas apuradas em um jogo real”, sem mencionar o depósito de dinheiro necessário para a jogabilidade na grande maioria desses aplicativos, como o próprio Rei do Pitaco, que tem ligação direta com os membros da diretoria da associação. Além disso, a descrição oficial também cita o mercado de esportes eletrônicos e videogames como importantes impulsionadores dos fantasy sports, mencionando a Riot Games e seus torneios de League of Legends nos destaques — mesmo que a desenvolvedora seja amplamente reconhecida por recusar qualquer relação de seus jogadores e times franqueados com apostas esportivas.
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O IGN Brasil conversou com Pedro Zambarda, jornalista de política nos sites Drops de Jogos e Folha Democrata e parte da organização Rede Progressista de Games (RPG), que acompanhou as recentes sessões de debate em torno do PL.
Ele afirmou que o senador Irajá, responsável pela transição de foco que o texto sofreu, viajou com Danilo Trento e Flávio Bolsonaro para conhecer cassinos em Las Vegas, Estados Unidos, em janeiro de 2020 — pouco antes do boom das casas de apostas esportivas virtuais durante a pandemia. Para quem não se lembra, Trento é o empresário que esteve envolvido em investigação de empresa farmacêutica pela CPI da Covid por venda de vacinas 90% mais caras.
Além disso, os três também teriam se encontrado com o falecido Sheldon Adeson, que chegou a financiar a campanha política de Donald Trump e é conhecido como o “magnata dos cassinos”.
A relação entre Bolsonaro e Trento esteve sob investigação durante a CPI da Covid, mas o processo investigatório não pôde ser concluído na época pela recusa de Trento em falar sobre o assunto. “Também questionei o Irajá sobre o que ele fez lá e o senador nunca me esclareceu”, afirmou Zambarda.
Ao mesmo tempo em que o relator defende a exclusão dos games do Marco Legal dos Games, ele opinou que jogos eletrônicos não são “equiparáveis a manifestações culturais” e, por isso, não é “justo” que a possibilidade de benefícios culturais para os produtos exista.
Para Zambarda, essa fala foi um ato de “desespero” para conseguir a aprovação do PL.
Aqui ele tem a CARA DE PAU de dizer que videogames não são cultura e que não devem ter acesso a editais de cultura — sendo que jogos já são compreendidos como cultura e audiovisual há mais de uma década, num modelo que já funciona — inclusive na Europa, Canadá etc. pic.twitter.com/5DiUhzQyww
— Rique Sampaio | Novo podcast: Código do Caos (@RiqueSampaio) September 26, 2023
Embora a previsão seja de que os fantasy games sejam removidos do texto quando este voltar a ser debatido, as entidades de jogos eletrônicas nacionais precisam estar mais envolvidas com sua estruturação, aponta Zambarda. Ele relembra a movimentação feita pela Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (ABRAGAMES) ao criticar a alteração feita no PL 2.796/2021, meses após aliados da associação auxiliarem no desenvolvimento do projeto ao lado do deputado Kim Kataguiri — quando este ainda estava envolvido.
Nota oficial da Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Games)sobre o PL 2.796/2021, cuja ementa visa criar o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos. Leia nas fotos a nota na íntegra! #PL2796 #PL2796NÃO pic.twitter.com/AndK7KybMd
— Abragames (@abragames) June 5, 2023
“Quem engajou é quem mais precisa do projeto. Os desenvolvedores estão nessa situação delicada, muitos sobrevivem com participação em editais públicos e as empresas mais sustentáveis não vendem seus jogos somente no mercado nacional. Não tem estratégia de divulgação [para jogos menores], e os esportes eletrônicos tinham que entender que o mercado poderia ser muito maior e mais sustentável com regulações como essa”, comentou Zambarda.
Em julho deste ano, a Abragames publicou uma nota repudiando o novo texto e afirmando que o PL “não representa o setor” e “gera uma série de inseguranças para profissionais, empreendedores, empresas do segmento e investidores”.
Qual o futuro para o Marco Legal dos Games?
Tendo como base as últimas alterações feitas no texto do PL, Zambarda informou que as empresas de jogos de aposta aproveitarão o momento para aumentar investimento nos fantasy games, o que significaria uma redução no financiamento direcionado para os jogos eletrônicos propriamente ditos – algo que o próprio relator demonstrou apoiar, conforme foi falado acima.
O projeto, que voltou a ter atenção negativa após entidades brasileiras afirmarem não terem tido ligação com sua estruturação, também passou a ser recusado por uma parcela da direita nacional por conta de brechas que permitiriam o desenvolvimento de fantasy games para crianças e adolescentes caso o texto fosse aprovado.
Durante a sessão em que deveria ocorrer a votação do PL, ocorrida em 21 de setembro, parlamentares optaram pelo adiamento da pauta para que a mesma pudesse ser reavaliada e reescrita. A senadora Leila Barros (PDT) opinou a favor da nova avaliação, declarando ter ficado claro que “fantasy games e jogos eletrônicos são assuntos distintos”. Além disso, o senador Eduardo Girão sugeriu “um marco sobre os jogos eletrônicos e outro para os fantasy games”.
Aqui a psicóloga e pesquisadora Ivelise Fortim, que tive o prazer de entrevistar no Primeiro Contato, fala sobre o perigo de jogos de apostas voltados à crianças e adolescentes (uma facilidade que o PL garantiria às empresas de “fantasy sports”) pic.twitter.com/Q1oKcEUmG1
— Rique Sampaio | Novo podcast: Código do Caos (@RiqueSampaio) September 21, 2023
Se o texto for discutido pelos parlamentares de forma “sóbria”, diz Zambarda, a previsão é que o PL exclua os fantasy games e a ABFS volte a tentar uma regulamentação própria, abrindo espaço para que os esportes eletrônicos propriamente ditos entrem no texto do projeto.
Ele opinou, ainda, ter a impressão de que o governo irá retornar com o objetivo de taxar apostas esportivas no país, especialmente levando em conta que a arrecadação será coordenada integralmente pelo Ministério da Fazenda.
“Se houver discussão, é possível que o melhor Marco seja aprovado”, diz Zambarda ao reforçar, novamente, a urgência de maior inserção das entidades, organizações e empresas brasileiras focadas em jogos eletrônicos no desenvolvimento da regulamentação da indústria.
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