Em 26 de dezembro de 1973 o diretor Joe Dante (Piranha) opinou que O Exorcista estava “destinado a se tornar, no mínimo, um clássico do horror”. Quase 50 anos depois, a opinião de Dante se tornou praticamente unânime e a relevância do filme de William Friedkin vai muito além do gênero terror. Mas a sequência O Exorcista: O Devoto, a ser lançada em 12 de outubro, mais se parece com uma continuação de um blockbuster de sucesso feita às pressas para angariar audiência do que uma sequência ao legado.
Quando o filme de Friedkin foi lançado uma espécie de histeria coletiva tomou conta das salas de cinema. O boca a boca fez com que cinemas lotassem e longas filas se formassem porque as pessoas queriam “fazer parte da loucura”, relatou o New York Times na época. Depoimentos de desmaios e crises espirituais, quer sejam eles verdadeiros ou não, não eram incomuns e Friedkin perpetuou uma discussão que tanto irritou como agradou católicos ao redor do mundo: a de que o demônio é capaz de possuir um indivíduo.
O novo filme, porém, tenta reestabelecer todas as “regras” expostas por Friedkin em relação a rituais exorcistas, mas falha repetidamente por não saber aonde quer chegar.
O Exorcista: O Devoto, que prometeu ser uma sequência direta para os acontecimentos que giram em torno de Regan MacNeil (Linda Blair), parece se concentrar em duas adolescentes que foram possuídas assim como a garota original; mas o filme rapidamente as esquece para focar nos dilemas pessoais de seus parentes e conhecidos. Ele apresenta diversas falhas que se repetem do início ao fim e se tornam extremamente perceptíveis; as construções problemáticas de relacionamento entre os personagens estão lá, mas frequentemente ofuscadas por falas preguiçosas e uma montagem tão feia que, ao tentar inserir todos os elementos que explicam cada núcleo, corta abruptamente diálogos de forma que não parece proposital.
Para começar, o diretor David Gordon Green, que também escreveu o confuso roteiro, se mostrou incapaz de dirigir um personagem historicamente conflitado como Victor Fielding (Leslie Odom Jr.). Sendo forçadamente colocado como o elo que une quase todos os círculos sociais do longa-metragem, Odom Jr. tem um dos maiores tempos de tela em O Devoto e não existe razão nenhuma para isso, já que o personagem permanece apegado aos seus medos e traumas; toda vez que parece que algo o fez mudar de opinião, ele se retrai novamente. Preciso citar que isso acontece porque ao mesmo tempo em que o filme bate constantemente na tecla de que todas as religiões são importantes e necessárias para o ritual funcionar, ele permite que os personagens ajam com seus próprios dogmas em detrimento do outro até em momentos que seriam considerados chave.
Ou seja, enquanto o longa-metragem de Green tenta reverter a ideia da Igreja Católica como salvadora ao representá-la de forma frágil — o oposto do que Friedkin fez com os padres Merrin e Karras em 1973 —, ele introduz uma série de novos “combatentes do diabo” de maneira quase heroica (no mau sentido) e sem dar muito contexto. É uma abordagem que poderia agradar a quem não tem familiaridade com o original e até a quem é fã da franquia, mas sua execução é tão simplista e sem fundamento que não convence nem para divertimento.
Outro ponto negativo para mim é, como já citei, a falta de foco na dupla possuída. No início o longa parece que nos aproximará delas, mas muda de rumo assim que tudo se une. Quem assistiu aos filmes anteriores já tem conhecimento sobre o vilão da história, mas ele não se destaca isoladamente em O Devoto. Um dos pontos importantes para o sucesso de Linda Blair como Regan foi essencialmente as relações de Pazuzu, o demônio, com aqueles que tentavam salvar a criança MacNeil. Existem poucos bons momentos com as adolescentes que até lembrarão o original, mas o roteiro não vai além do básico ao tratar de suas possessões e ainda prejudica cenas importantes com a adição de elementos visuais excessivos e distorções de imagem que o tornam um filme sobrenatural qualquer e tiram o peso amedrontador que essas cenas deveriam ter.
Não é de hoje que os remakes, reboots e continuações busquem reviver clássicos com um toque moderno para trazer um novo público para franquias de sucesso. Mas o desempenho de Green não somente em O Exorcista como também no quase igualmente desastroso Halloween Ends mostra que, às vezes, o que uma franquia menos precisa é de subversão (por favor, nem tudo precisa se parecer com uma grande reunião da Liga da Justiça). Para não dizer que o filme é um desperdício completo de atores e história, Green teve sucesso em reforçar sua paixão pelo gênero ao homenagear Friedkin com certas referências – que duram tão pouco que nem conseguimos aproveitá-las.
O Exorcista: O Devoto é um emaranhado de personagens e ideologias que não se sustentam por conta de um roteiro com mil e uma ideias sem uma direção clara. É mais uma tentativa de David Gordon Green de reformular o que já sabemos de uma franquia histórica de terror: assim como em Halloween Ends, o diretor falha novamente em encontrar motivos plausíveis para as motivações de seus protagonistas e quase ridiculariza a história criada por William Friedkin em 1973.