Desde o primeiro frame de Air: A História por trás do Logo, Ben Affleck faz questão de mostrar como o mundo de 1984 era diferente do mundo de hoje. O que era consumido, o que era assistido, quem era adorado e, claro, o que era usado. O filme monta rapidamente esse quadro para que o espectador, principalmente o que não viveu o mundo antes de Michael Jordan, entenda a diferença do antes e depois. Esse é o primeiro ponto do filme.
Com roteiro de Alex Convery, o tom de comédia, amplificado principalmente nas atuações brilhantes de Chris Tucker e Chris Messina, é o segundo acerto. Mesmo Matt Damon e Ben Affleck estão com um ótimo timing para comédias e até Jason Bateman, veterano de comédias, mesmo com o papel mais sério dos já citados, ainda tem tempo para se divertir em tela.
O terceiro acerto, no entanto, é o mais importante: Viola Davis. Michael Jordan praticamente exigiu que ela interpretasse a mãe, Deloris Jordan, e a cada momento que ela aparece em cena, entendemos tal exigência. Com uma atuação centrada, como a personagem exige, Davis se impõe sem precisar de muito.
Dentro desses três pontos, ainda podemos comentar as jogadas da direção de Affleck. Com planos detalhes ou abertos que servem para contextualizar exatamente onde estamos ou no que os personagens estão pensando. É fácil notar, por exemplo, a aflição de Sonny, personagem de Damon, quando olha para o escritório e pensa que pode ter colocado todos ali em risco — mesmo sem uma linha de diálogo para isso.
E quando precisa de diálogo, aí acontecem as grandes tabelinhas do filme. Damon e Bateman, em cenas juntos ou por telefone e, com certeza, os diálogos de Damon com Messina, por telefone. Messina contou que, diferente de outros filmes, alguns desses diálogos por telefone foram gravados ao mesmo tempo, para deixar a discussão com reações mais autênticas e naturais — um acerto digno de três pontos.
Outro momento que o texto se destaca é quando dá falas importantes para os personagens certos. George Raveling, que foi técnico de Jordan na seleção olímpica, aparece em apenas uma cena — mais um dos pedidos de Jordan — e é uma cena que não apenas prefigura um momento chave para Sonny, mas que também dá a Marlon Wayans espaço para fazer uma performance de gente grande, como o personagem merece.
A fala de Raveling acaba por se tornar o fio condutor das atitudes de Sonny que acabam por salvar não só o próprio emprego, mas toda a divisão de basquete da Nike. Damon consegue fazer um personagem cativante que move a montanha para trazer o próprio profeta e constrói uma aura de “feel good” que transborda para todo o filme. Ah, e não posso ficar sem mencionar a excelente escolha de colocar o próprio Affleck como Phil Knight, o curioso fundador e então CEO da Nike. Affleck performa muito bem como o chefe que monta uma equipe dos sonhos e que consegue fechar o acordo com a mãe de Jordan para salvar o próprio projeto. Basicamente, o mesmo que ele fez nos bastidores do filme também.
O longa também pontua em fazer tudo isso em pouco mais de uma hora e meia de duração e eu nunca vou me cansar de dizer que poucos filmes precisam mais do que isso para contar uma boa história.
A opção por usar Michael Jordan mais como um MacGuffin e não como um personagem é de muito bom gosto, já que a aura celestial de Jordan poderia roubar o foco do filme ou, pior, não atingir o nível de excelência que era preciso. E no fim, fica claro que a MVP da história do Nike Air Jordan é mesmo a mãe do jogador. Jordan circula pelo filme, aparecendo em destaque só em cenas de arquivo e só ganha o centro da fotografia quando é para apreciar o objeto principal da história: o Air Jordan 1. E embora esse não seja o último frame do filme, é o mais importante dessa história — acompanhado de Damon municiado com um ótimo discurso, ainda mais forte com a montagem sobre o que o futuro ainda guardava para o jovem astro.
Em certo momento do filme, é dito que um tênis é só um tênis até que alguém o vista. É possível dizer que um roteiro é só um roteiro até que alguém o filme, pois Air: A História por trás do Logo era um bom roteiro (que estava na Blacklist de 2021) que se transformou num dos melhores filmes do ano até aqui. O elenco está perfeito, a direção é muito boa e o filme acaba por se tornar interessante mesmo para quem não tem interesse em basquete ou até mesmo em tênis — mas é ainda melhor para quem gosta.