Em meio ao excesso de live-actions de animações clássicas da Disney, existe o perigo iminente de que os artistas responsáveis pelas primeiras versões dos personagens que tanto amamos sejam apenas mais um nome na história. Branca de Neve e os Sete Anões (1937) foi a animação do Walt Disney Studios que eu mais assisti na infância, queria sempre deixar meu cabelo curto e era obcecada por tiaras vermelhas ou de qualquer outra cor; as músicas do longa-metragem eram algumas das poucas coisas que me acalmavam em casa.
E tenho certeza que vocês também tiveram experiências parecidas com este ou outros clássicos do estúdio, independente do ano de nascimento. Acontece que o outro lado da moeda nem sempre é tão mágico assim: Adriana Caselotti, atriz e cantora por trás da primeira versão da Branca de Neve que conhecemos hoje, foi proibida de desenvolver sua carreira enquanto estava no auge para não “estragar a ilusão” que existia em torno da mais bela de todas.
Caselotti começou sua carreira em 1935, cantando em um coral do estúdio Metro-Goldwyn-Mayer (MGM). Seu pai, Guido Caselotti, era um professor de canto e foi procurado por um funcionário da Disney que estava atrás de jovens cantores. Na época, a profissional descendente de ítalo-americanos tinha 18 anos, mas mentiu que possuía 16 para conseguir o papel com mais facilidade.
Branca de Neve e os Sete Anões foi o primeiro longa-metragem de uma princesa do estúdio, além de também ser a primeira animação com duração de um filme da companhia. Somando o lançamento oficial com as reexibições ao redor do mundo, o longa-metragem arrecadou US$ 184.925,486 milhões – se considerássemos a inflação, a bilheteria do filme subiria para US$1.977.000 milhões, de modo que o filme ocuparia o primeiro lugar no ranking de animações que mais arrecadaram na história. Mas Caselotti só recebeu US$ 970 por ter atuado e cantado na produção.
Em uma entrevista de 1993, a atriz comentou que recebeu US$ 20 por dia trabalhado e, no início, não sabia que estava trabalhado em uma animação de duração completa.
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“Eles me disseram que seria um pouco mais longo do que um curta, que durava de 10 a 12 minutos. Então eu pensei que teria 20 minutos de duração ou algo assim. Não percebi o que tinha acontecido até ir à estreia. Eu vi todas essas estrelas de cinema — Marlene Dietrich, Carole Lombard, Gary Cooper — todo mundo estava lá. Eu descobri que essa coisa durou uma hora e 23 minutos.”
Além disso, a norte-americana não foi creditada no filme. Essa foi uma decisão que partiu diretamente de Walt Disney: em uma entrevista ao jornal The Day em 1993, Caselotti comentou que foi procurada pelo comediante Jack Benny para participar de seu programa de rádio, mas o fundador do estúdio de animações não permitiu.
“Eu sinto muito, mas essa voz não pode ser usada em qualquer lugar. Eu não quero estragar a ilusão da Branca de Neve.”
Aos 77 anos, Caselotti também comentou ao jornal que não queria passar pelo estresse de processar a companhia por seus direitos. “Eu sei que posso ter que perguntar, mas não quero ter que passar pelo o que Peggy Lee passou”, comentou ao repórter Bob Thomas. Lee emprestou sua voz para diversos personagens do clássico A Dama e o Vagabundo (1955) e entrou com ação judicial para ser justamente paga por seu trabalho.
Na época da entrevista, Branca de Neve e os Sete Anões se aproximava de seu oitavo lançamento nos cinemas. Mesmo o sucesso do longa-metragem não fez o estúdio pensar em compensar Caselotti de forma justa, embora a atriz ainda esperasse um retorno amigável por parte da empresa que lhe deu seu primeiro papel de destaque.
“Prefiro fazer de forma amigável. Acho que eles também farão”.
Infelizmente, esse não foi o caminho que a Disney optou por seguir. O estúdio se manteve quieto sobre a controvérsia, embora tenham entregado o prêmio honorário de Lenda Disney para Caselotti em 1994, três anos antes da atriz falecer em sua casa em decorrência de um câncer.
Embora a maioria de seus poucos papéis no cinema permaneçam sem créditos e a versão da animação jamais tenha sido atualizada para incluir seu nome, Caselotti participou de alguns programas como o The Julie Andrews Hour (1972), The Magical World of Disney (1983), The Music of Disney: A Legacy in Song (1992) e outros, nos quais pôde relembrar e homenagear as canções eternas que protagonizou com sua voz.
Por mais que tenhamos dificuldade em encontrar muitas coisas sobre o trabalho da atriz nascida em Connecticut, um vídeo que nunca me saiu da memória foi um pequeno documentário de 1992 que a própria organizou, junto com a dupla Weiss Guys, sobre sua casa inteiramente decorada com elementos de Branca de Neve e os Sete Anões. É, ao menos, confortante saber que uma das pessoas responsáveis por erguer a Disney em seu início faleceu tendo nada além de carinho para com uma personagem tão marcante em nossas vidas – ainda que o estúdio não tenha tido qualquer tipo de ação para honrar seu trabalho.
“Um dia (um dia)
Eu serei feliz
Sonhando (sonhando)
Assim (assim)”
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