Desde que foi anunciado, o live-action de Barbie encheu todos os sites de cultura pop. Sua popularidade aumentou ainda mais com a rivalidade do longa baseado na mesma data de estreia de Oppenheimer, pelo diretor Christopher Nolan. Finalmente, após meses de espera sem saber ao certo qual seria a mensagem de Barbie, chegou o dia para acabar com essas dúvidas.
Barbie é a boneca mais vendida do mundo e com certeza fez parte de inúmeras gerações de crianças que compartilharam sua infância com a boneca loira de corpo “perfeito”. Contudo, muitas crianças – eu inclusa – não gostavam de Barbie. Na real, sempre ganhei Barbies, apenas para preferir brincar com Max Steel ou Hot Wheels. Eu não gostava dela, não gostava da cor rosa, do seu cabelo loiro, o fato que ela só era…Barbie. Mesmo assim, isso não me impediu de assistir e gostar (muito) das animações da boneca.
Ah, e claro, esqueci um detalhe, eu e Barbie compartilhamos o mesmo nome: Barbara. Para quem não sabe, a boneca foi criada por Ruth Handler, que eternizou sua filha, Barbara, em um brinquedo de plástico. Enquanto crescia revoltada por ter que gostar de rosa e brincar de casinha, muitas pessoas me apelidavam de Barbie e, consequentemente, eu odiava.
Enfim, chegamos ao filme da Barbie estrelado por Margot Robbie e Ryan Gosling. Desde que foi anunciado, eu pedi para assistir ao longa caso recebesse a oportunidade e, devo admitir, todo aquele sentimento rebelde que tinha em mim entre toda minha infância foi substituído por uma curiosidade imensa para saber sobre o que o filme abordaria.
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Nem todas as Barbies são perfeitas
Barbie de Margot Robbie é A Barbie, ou seja, ela é a original do filme, a primeira, a que deu início a longos anos de bonecas da Mattel enchendo as prateleiras de mercados e lojas de brinquedo. A loira vive na Barbielândia, um lugar perfeito onde todas as bonecas mandam. Barbies presidentes, ganhadoras do Prêmio Nobel, construtoras. Em meio a elas, existem os Kens (e Allan), além de algumas linhas da boneca que foram descontinuadas. Os Kens são…os Kens, eles estão lá fazendo Kenzisses e sendo os melhores amigos das Barbies. Contudo, achei que Allan (Michael Cera) poderia ser mais aproveitado, já que ele aparece mais por um alívio cômico, mas também tem seus próprios desejos.
Desde os primeiros trailers soubemos que Cera interpretaria Allan, que é único, ele não é um Ken e não pensa como um. Cera entrega tudo em apenas alguns minutos de sua aparição nas telas. Ele é o único boneco da Barbielândia que é mais autêntico, tanto que sempre fica mais do lado das Barbies e menos dos Kens, que representam toda a “virilidade” de um homem que a Barbie precisa. O final de Allan também é agridoce, ele não consegue realizar seu desejo, mas é tão deixado de lado que acabamos esquecendo sobre ele.
Tudo muda quando a Barbie da Margot (conhecida como Barbie Estereotipada) começa a ter pensamentos sobre morte (quem nunca?) e coisas mundanas de sua vida passam a ser afetadas. Ela é instruída a ir para o Mundo Real e achar sua criança (que brincou com ela) e consertar a fenda que abriu entre o Mundo Real e a Barbielândia.
O Mundo Real é assustador e é a partir desse ponto que você entende o que o filme tratará. Tudo que Barbielândia é, com mulheres no poder e tudo “perfeito”, é exatamente o oposto na realidade. Ela é assediada por vários homens, presa por se defender e tudo que ela pensa que era seu propósito – empoderar mulheres e ajudar a causa feminista – não serve para nada no mundo real. É bem triste, mas é a realidade que todos convivem.
Barbie começa a tomar mais consciência de si, como se veste, como pensa, como outros vão vê-la e vai aprendendo que mulheres no mundo real vivem com a verdade de que sempre serão diminuídas por homens ou por expectativas irrealistas da sociedade. Mesmo com a mensagem angustiante e extremamente real, o longa consegue inserir momentos cômicos e meta. Inclusive, há um momento em que me senti extremamente representada por uma Barbie Depressiva enquanto ela assiste a uma das séries de época da BBC. Greta Gerwig, você vasculhou meu antigo Tumblr por acaso?
Greta Gerwig é conhecida por fazer filmes femininos e sobre a perspectiva de como é ser uma mulher. Ladybird e Adoráveis Mulheres são alguns exemplos sobre histórias de mulheres se achando. Barbie não é diferente, além de ser um longa voltado para o público feminino, ou ao menos quem brincou com as bonecas, então existem inúmeras brincadeiras, falas e introspecções sobre a vida de uma mulher contemporânea. O exemplo da série da BBC foi apenas um exemplo, mas até um monólogo feito por America Ferrera no longa demonstra isso. Em resumo, muitos homens não irão se identificar com Barbie, podem rir, gostar do filme e achá-lo uma obra-prima, mas existem nuances que apenas mulheres irão entender.
Em resumo, Barbie não se sente mais a Barbie. Perfeita, sem defeitos e com emoções que não sabe descrever ou entender direito.
Hi, Ken!
Ryan Gosling não brincou quando disse que precisou buscar sua criança interior para interpretar Ken. O personagem serve mais como alívio cômico na maioria das vezes. Ken não é uma Barbie, ele não foi feito para ter uma profissão, somente ser um Ken, o melhor amigo da Barbie que sempre será apenas um amigo.
O ponto alto de Gosling e de outros Kens é deixado mais para o final do longa, quando a boneca volta para Barbielândia e vê o caos instaurado após ir para o Mundo Real. Se ficou preocupado que a Warner expôs a parte musical de Gosling em “Just Ken”, prepare-se para ficar animado em saber que, ao saber o contexto inteiro do longa, o número musical fica ainda melhor.
Também deixo um espacinho para prestigiar os outros Kens. Um deles é Simu Liu, que poderia ter tido mais tempo de tela com o seu carisma e rivalidade com o Ken de Gosling. John Cena também é uma surpresa com sua participação rápida ao lado de Dua Lipa como um “Kensereia”. Toda vez que o “bando de Kens” aparece na telona serve como uma lembrança constante que sem Barbies eles não são nada…nem para pensar com os poucos neurônios que dividem.
Piadas, existencialismo e carga emocional
Barbie parece ser uma comédia ácida e de fato é em muitas partes, mas o longa consegue achar o equilíbrio perfeito entre as piadas e momentos com uma imensa carga emocional. O longa é narrado por Helen Mirren, que serve como uma presença onisciente, navegando entre nosso mundo (expectador) e os dois mundos do filme.
É exatamente nas piadas que Barbie consegue atingir o público — e não nego que espero que uma classe de pessoas se sinta ofendido por elas. Machismo e patriarcado são grandes temas do longa, sendo que suas piadas (principalmente com os Kens) são focados nessa faceta de “macho alpha”. São piadas sobre gostos de musicais, sobre como “conquistar uma garota”, os gostos intelectuais por gostarem de certos filmes. Então, se você já se relacionou com o famoso “heterotop” ou “esquerdomacho” da vida, sentirá um prazer imenso nas piadas. Caso você se sinta ofendido por uma dessas piadas…bem, acho que você se enquadrará do nicho de “boylixo ambulante”.
O final do longa apresenta momentos de muita carga emocional. Na sessão dava até para ouvir algumas fungadas ao som de “What Was I Made For?”, de Bille Eilish. É nesse momento também que Gerwig faz uma homenagem um tanto engraçada para Ruth Handler, interpretada por Ruth Perlman.
Em sua jornada, Barbie passa a tomar mais consciência de sua existência, muitas vezes exprimindo seus pensamentos filosóficos e afiados enquanto faz alguma coisa. É quase como adquirir consciência de que você existe com quatro anos de idade. Algo que Ken não consegue entender, mas ele também tem sua própria jornada de autodescoberta.
Eu sou uma Barbie?
Depois dos créditos rolarem ao som de Barbie World da Ice Spice, Nicki Minaj e Aqua, somos deixados com o questionamento de “eu sou uma Barbie?”. Barbie passa por altos e baixos, ela sempre achou que o mundo seria cor de rosa, perfeito e com todos os dias sendo ótimos, mas na real o mundo não é assim e tá tudo bem, a vida é cruel dessa forma e temos que fazer o melhor que dá com ela. No final, somos todos um pouco da Barbie da Margot Robbie com pequenas crises existenciais todos os dias — e, é claro, a Barbie dela é um pouco de todos nós.
Entre Barbie’s Dreamhouse e praias de Malibu, Barbie embarca em uma viagem de autodescoberta, adquirindo consciência do que sua boneca serve no mundo real. Com piadas ácidas, quebras de quarta parede, linguagem meta e momentos com carga emotiva, Barbie, de Greta Gerwig, fará todos que brincaram (ou não) sentirem ouvidos. Margot Robbie brilha como a Barbie Estereotipada, mas é Ryan Gosling que rouba toda a cena interpretando Ken, que é muito mais do que apenas Ken.