Da metade até o final dos anos 2000, houve uma grande e prevalente tendência de estender o alcance de um jogo, portando-o para o maior número de plataformas possível, independentemente destas serem adequadas ou não. Jogos como Need for Speed: Most Wanted, 007: Quantum of Solace e Cars 2, juntamente de tantos outros, foram lançados em consoles e PC, como esperado, mas também ganharam versões pioradas ou drasticamente diferentes para portáteis como PSP e Nintendo DS e até mesmo telefones celulares.
A tendência atingiu vários dos principais jogos de console e PC da época. Talvez, o caso mais surpreendente, tenha sido a aclamada aventura em primeira pessoa BioShock, que ganhou uma versão mobile conhecida como BioShock 3D. Embora haja uma prática de distinguir as versões de portáteis de jogos de console como BioShock, o desenvolvimento deste port é um exemplo fascinante do trabalho de adaptação. De acordo com a Tridev, os desenvolvedores de BioShock 3D que conversaram com o IGN sobre sua criação, contaram que o título mobile contava com uma série de desafios técnicos, criativos e burocráticos que demonstram as dificuldades de fazer um jogo AAA rodar em um telefone que mal consegue jogar Brick Breaker.
E não, esta não é um port de BioShock para celulares, tampouco se trata do infame BioShock anunciado exclusivamente para o PS Vita na conferência de imprensa da Sony na E3 de 2011 (que nunca foi oficialmente cancelado, mas foi na realidade cancelado, sim). Este é um remake do primeiro Bioshock, projetado para rodar em dispositivos flip com Javascript, e seus desenvolvedores nos mostraram um pouco sobre como é trazer uma das histórias mais amadas dos jogos para uma plataforma na qual ela nunca foi originalmente planejada.
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Expectativa vs. Realidade
O primeiro desafio que a equipe enfrentou, de acordo com Vijay Venkatramani, gerente de estúdio de Tridev na época, foi decidir qual seria o escopo real de BioShock 3D se comparado ao jogo original.
“Isso foi difícil, considerando todas as limitações com as quais tínhamos que trabalhar naquela época”, disse ele. “No final, decidimos dividir o jogo em duas partes. Dessa forma, as pessoas não se incomodariam com tempos de download maiores; [já que] as velocidades de download [na época] eram lentas. O segundo motivo foi o tempo de produção. Quando o desenvolvimento [começou], fomos informados de que tínhamos 6 meses para lançar alguma coisa; um prazo assustador para um projeto deste tamanho. Gastaríamos muito tempo reaproveitando ferramentas de [Predator: The Duel 3D, jogo que provou a expertise técnica da equipe e lhes levou ao projeto BioShock 3D] e adaptando-as à jogabilidade de BioShock. Resumindo, não havia como lançarmos o jogo completo [como apenas um produto]”.
A Tridev tinha bastante experiência com mobile para tentar tal façanha em um cronograma tão curto, mas eles ainda tiveram que montar BioShock 3D do zero e lidar com as pesadas expectativas referentes à recepção do amado título original.
“Um dos desafios era comprimir a escala do jogo para caber nos miseráveis telefones móveis da época”, lembrou Arjun Nair, produtor de BioShock 3D. “A 2K Games designou um produtor externo para trabalhar conosco para garantir que [a versão final do] jogo correspondesse às expectativas de um verdadeiro BioShock. Como eles tinham experiência com consoles e a nossa realidade era trabalhar com telefones celulares, isso nos causou muitos desentendimentos inicialmente. Eles queriam uma versão literal do jogo, mas sabíamos que tínhamos que cortar não apenas a arte, mas também alguns elementos do game original para termos alguma esperança de lançar o jogo em um dispositivo móvel.
“É importante observar que não recebemos nenhum código ou documento de design técnico da [2K] – tivemos que projetar e escrever todo o material tecnológico do zero. A expectativa inicial da administração era fazer uma portabilidade ‘rápida’ em menos de 6 meses. O jogo real levou um ano para ser concluído e lançado. Fazer tudo isso em um ano é, francamente, incrível e uma prova da habilidade e motivação de todos na equipe – design, arte, código [e] controle de qualidade”.
Aprendendo a lidar com os queridinhos da 2K
Projetar e reconstruir um jogo tão amado do zero para aparelhos menos poderosos não seria uma tarefa simples. Mas a Tridev continuou a bater de frente com a 2K em relação a questões de escopo, mesmo depois de decidir sobre a divisão em duas partes, de acordo com os desenvolvedores da Tridev com quem conversamos. Um dos maiores pontos de discórdia era como a equipe queria cortar alguns cenários que considerava não essenciais para a versão mobile, como Arcadia e Return to Arcadia.
“Levando em conta o design das coisas, eu realmente cortei alguns cenários que não estavam contribuindo para o enredo principal”, disse Poornima Seetharaman, designer-chefe de BioShock 3D. “Inicialmente, a equipe da 2K não estava a par disso. Insisti em conversar com eles e explicar o motivo – correu tudo bem e conseguimos reduzir alguns cenários”.
Os telefones celulares da época, alguns dos mais populares sendo o iPhone 4 e o HTC Desire, simplesmente não tinham memória ou poder de processamento gráfico suficiente para aguentar um port direto de BioShock, então a equipe empregou truques inteligentes para fazê-lo funcionar em tudo, com menos problemas.
“Os mapas de cenários grandes foram literalmente renderizados como um mapa semivoxel”, explicou Venkatramani. “Se você estivesse vendo um grande chão, era [na verdade] apenas um ativo poligonal com ladrilhos para criar o piso inteiro. Quaisquer variações percebidas foram apenas ladrilhos inteligentes e mapeamento UV. Não podíamos usar recursos muito grandes para os cenários porque a maior parte do orçamento de poli/textura foi usado para os personagens. Tivemos que lutar constantemente para aumentar orçamentos de recursos para cada parte de cada cenário”.
“[Foi necessário] um pouco de matemagia para fazer tudo acontecer”, acrescentou Nair.
A Tridev acabou recebendo o documento de design do jogo original da 2K, mas não pôde usar os modelos de polígonos de alta qualidade devido à falta de GPUs nos telefones celulares.
“Tivemos que reduzir os cenários de forma inteligente apenas para que eles mantivessem sua essência e identidade, ao mesmo tempo que caberiam na memória”, disse Nair.
E apesar de todos esses obstáculos técnicos, um playthrough parcial de BioShock 3D no Youtube mostra não apenas o quão diferente a versão mobile parece, mas como ela captura a essência do original. Essa clara reverência pelo mundo de BioShock veio de um intenso estudo da versão de console, o que eventualmente fez Venkatramani se cansar disso.
“Compramos o Xbox 360, pegamos o jogo, ocupamos uma das salas de reunião e a transformamos em uma sala de jogos, sala de pesquisa”, disse ele. “Então nos aprofundamos em cada aspecto do jogo repetidamente até que apreciássemos cada nuance. Nós também nos cansamos disso. Eu pessoalmente não joguei nenhum dos BioShock que saíram depois”.
“Tive de jogar BioShock tantas vezes para fazer anotações, fotos e vídeos para obter uma análise completa – não acho que tive tempo para sentar e curtir o jogo”, disse Seetharaman.
Os sons do mar
Uma vez que o escopo geral do BioShock 3D foi decidido e a equipe debulhou o BioShock original de Arcádia a Point Prometheus e em todos os lugares intermediários, o desafio de destilar a mecânica e a atmosfera do jogo de console em telefones celulares teve que ser enfrentado. Críticos especializados e jogadores exaltaram BioShock pela profunda imersão experimentada ao explorar a cidade subaquática de Rapture. Os sons de paredes rangendo e água pingando foram os principais componentes disso, mas a maioria dos arquivos de áudio do BioShock original eram grandes demais para a memória limitada e o espaço de armazenamento disponível em telefones antigos. Decisões difíceis tiveram que ser feitas na adaptação de BioShock à sua forma mobile, enquanto a equipe trabalhava para transmitir os mesmos sons do game original, sem ocupar uma quantidade excessiva da preciosa memória dos dispositivos.
“O jogo de console tinha um áudio espacial incrível que ajuda a localizar os inimigos de um cenário”, disse Nair. “Nossa versão, ao contrário, teve que se contentar com muito pouco áudio. Como não podíamos usar áudio para ajudar a localizar inimigos, decidimos usar indicadores visuais para informar aos jogadores de onde os inimigos poderiam estar vindo”.
“Eu realmente gostaria de poder inserir mais sons por causa da imersão, mas tivemos que fazer escolhas difíceis”, acrescentou Venkatramani.
Outros cortes relacionados ao som incluíram a conversão dos amados diários de áudio de BioShock em versões baseadas em texto, e os ajustes para elementos importantes da história não pararam por aí.
“Algumas revelações importantes foram convertidas em cenas 2D ao invés de interativas”, disse Seetharaman. “Trabalhamos extensivamente com a equipe de tecnologia para concluir fases inteiras com base em gatilhos para que pudéssemos gerar inimigos [e] abrir ou fechar portas, dependendo da posição do jogador – não apenas para o elemento surpresa, mas para ajudar com o [desempenho] também”.
Além de converter cenas em apresentações de slides – como a icônica descida da batisfera até Rapture – muitos elementos distintos do original tiveram que ser adaptados para atender às capacidades limitadas dos telefones celulares da época. Limitar o quanto de um cenário era visível em um momento ajudou muito a equipe a mantê-los o mais próximo possível dos originais.
“Todas as portas do jogo eram opacas ao contrário do original”, Seetharaman disse, “Nós também adicionamos portas onde [elas] não existiam originalmente, então não tivemos que renderizar todo o cenário. Toda a implementação do level design foi um imenso esforço de arte, tecnologia e design”.
Não era o bastante apenas adaptar os cenários para que os telefones pudessem lidar com eles, a Tridev também tinha que garantir que as pessoas pudessem jogar confortavelmente por meio deles em uma ampla gama de dispositivos.
“Os telefones que almejávamos naquela época não eram fragmentados apenas no tamanho da tela, poder de processamento e especificações de memória, [então também] tínhamos que mapear diferentes esquemas de controle para diferentes dispositivos”, disse Venkatramani. “Todos eles tinham botões naquela época e algumas dessas configurações não eram padrão. Além disso, cada aparelho tinha seu próprio conjunto de problemas com gerenciamento e renderização de memória. Tínhamos nosso próprio motor interno – ICE 3D – construído para lidar com a maioria dessas especificações”.
“Tínhamos a mira automática habilitada, pois era difícil fazer movimentos precisos e mirar com os diferentes controles móveis – até mesmo coisas como reduzir ou remover o coice da metralhadora [ajudou]”, disse Seetharaman.
O que a 2K queria para o BioShock 3D simplesmente não era possível na época, e todos na Tridev sabiam disso. Mesmo que o port mobile nunca pudesse ser uma réplica exata do original, a equipe fez cortes inteligentes e necessários para trazer a versão mais autêntica de BioShock para telefones móveis que eles conseguiram. Apesar de alguns confrontos criativos e corporativos, Seetharaman, Nair, Venkatramani e o resto da equipe da Tridev conseguiram desenvolver BioShock 3D rapidamente, do zero, e estão orgulhosos do jogo que trouxeram à vida.
“Quando olho para o que tínhamos com o que trabalhar naquela época, ainda acho difícil acreditar que conseguimos”, disse Venkatramani. “Estou grato por ter acabado, mas tenho boas lembranças daqueles dias. Eu fiz alguns dos meus melhores trabalhos em desenvolvimento de jogos naquela época e fiz alguns bons amigos ao longo do caminho”.
“Este [projeto] foi um dos melhores da minha carreira e sempre será”, disse Seetharaman. “A equipe trabalhou muito nisso e, embora tenha sido difícil, fez todos nós subirmos de nível em nossa carreira muito mais rápido! Todos nós nos sentimos incrivelmente orgulhosos disso! Gostaria de tê-lo preservado melhor e percebido as inovações que fizemos. Naquela época, éramos apenas nós fazendo nosso trabalho”.
“Acho que estávamos no nosso melhor [processo] criativo na época, apresentando soluções exclusivas para trabalhar com essas limitações”.
* Traduzido por Jessica Pinheiro.
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