Não! Não Olhe! é uma obra definitivamente memorável, instigante e experimental. Com enredo original, fotografia encantadora e atuações comoventes, o que mais me fascina é a capacidade do filme de permanecer ativo em nossa mente mesmo após sairmos do escuro imersivo do cinema. Jordan Peele é um mestre, que em poucos anos de experiência já se consagra como um grande cineasta, além de ser capaz de nos fazer refletir por dias sobre o que vimos em poucas horas na tela grande do cinema.
O longa é dividido em blocos e cada um foca em uma história diferente. De modo geral, todas elas estão conectadas e regem a trama principal da família criadora de cavalos. Um dos blocos mostra um chimpanzé que participava de um programa de humor nos anos 90 e, durante uma filmagem, o animal surta e massacra toda a equipe que estava no set. Outro bloco foca no dono de um rancho de domadores de cavalos que são usados em filmagens de Hollywood; o homem morre ao ser atingido por uma moeda caída do céu. Nos próximos blocos, a trama foca nos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer), filhos do dono do rancho, que são atormentados por aparições espaciais.
Todos esses blocos, no entanto, parecem estar ligados não apenas pela filosofia da espetacularização das coisas, mas pela menção do cinema. Sem muitos spoilers, a história do cinema e como a indústria audiovisual impacta vidas que dela participam são temas constantemente abordados – mesmo que de maneira não óbvia, afinal, nada é tão óbvio quando se trata de Jordan Peele.
Passei a sessão inteira vidrada no grande mistério extraterrestre que cerca o solitário e pacato local no interior da Califórnia. Foram horas questionando o que seria a estranha “coisa” que amedrontava os moradores e visitantes daquele lugar e o por quê dela insistir tanto em devorá-los? Para onde iriam as pessoas capturadas? Elas morrem? Qual é a motivação desse possível disco voador? É um ser ou uma máquina? Quem o comanda?
São inúmeros questionamentos que pairavam em minha cabeça durante as duas horas e meia de filme, quando, no final, me dei conta de que talvez eu estivesse fazendo os questionamentos errados. Será que a história é sobre ovnis ou sobre as pessoas que o avistaram? Até onde nós, seres humanos, somos capazes de transformar o terror em um espetáculo?
Peele se utiliza de fortes influências de Guy Debord, autor de A Sociedade do Espetáculo, uma crítica teórica sobre consumo, sociedade e capitalismo. O cineasta apresenta a tese da espetacularização humana em diversos contextos de terror, seja com o caso brutal do macaco que participava de um programa de TV e assassinou toda a equipe – e, mesmo assim, possui fãs – ou com a necessidade de sacrificar a própria vida para registrar a ameaça extraterrestre a fim de ganhar fama e dinheiro. Durante todos os blocos e histórias apresentadas, Peele aborda a monetização do espetáculo e como isso pode ser aterrorizante.
O filme não apresenta respostas claras para quase nenhum dos muitos questionamentos, mas isso não deveria ser um motivo para desvalidar a profundidade da obra. Com um misto perfeito de terror, mistério, filosofia e pitadas de humor, Jordan Peele retorna às telonas com mais uma produção extraordinária.
Torna-se quase paradoxal dizer que estou concluindo este texto, pois, na minha cabeça, não há conclusão alguma diante de tantas perguntas deixadas em aberto.
Não! Não Olhe! te faz questionar sobre como tratamos momentos drásticos como espetáculos e até onde somos capazes de ir para lucrar em cima de tais acontecimentos. Jordan Peele te faz pensar sem parar (novamente), questionar diversos assuntos e não chegar a nenhuma conclusão, e isso é – de maneira bem esquisita – simplesmente incrível.