O contraste entre crianças inofensivas e um mundo extremamente opressor vai muito além da estética em Little Nightmares II. Cercados por pessoas, criaturas e prédios tão mais imponentes do que eles próprios, Mono e Six, personagens principais do jogo, precisam se ajudar para que tenham uma chance na brutal batalha pela sobrevivência que os testa a cada momento. Não é uma vida fácil.
Pela perspectiva de quem mal reconhece a própria existência, deve ser difícil não se assustar com quão indiferentes ou mesmo agressivos podem ser aqueles que, em tese, estão em condição de ajudar os novatos nessa luta. Mono e Six, claramente, não podem depender de pessoa alguma a não ser um do outro, seja perambulando pela cidade, na escola ou no hospital. Ambiente nenhum os acolhe: os força a amadurecer muito mais depressa do que deveriam.
Ao inserir Mono e Six em versões macabras de ambientes comuns à vida de qualquer cidadão, Little Nightmares II com certeza levará muitos jogadores em uma viagem pelas próprias memórias. Brincando com medos e inseguranças que remetem à infância, o jogo consegue acertar em cheio durante a maior parte do tempo na maneira como usa a ambientação para potencializar os próprios temas.
Os enormes adultos completamente desfigurados pela transmissão maligna que os fascina ao ponto de eles não conseguirem viver sem uma televisão, as cores sempre frias, os membros decepados de bonecos que enfeitam tantos cenários e, muitas vezes, podem ser confundidos com pedaços de corpos reais. Mono e Six são odiados em Pale City e eles são lembrados disso a todo momento. Nós, como jogadores, também. Nossa única esperança deve ser ajudar as duas crianças a saírem dessa situação.
Como em qualquer bom jogo de terror, o uso dos efeitos sonoros em Little Nightmares II é brilhante. Seja na elaboração dos enigmas, nos sussurros de Mono para Six enquanto eles avançam juntos ou nos ruídos bizarros emitidos por criaturas gosmentas, alunos com cabeças ocas e programas de TV que, normalmente, só conseguimos ouvir. A união de paisagens tão chocantes com esses pequenos detalhes sonoros, quase sempre sem uma trilha acompanhando, levam a um todo coeso, estranho e inesquecível.
A escola e o hospital, especificamente, se destacam nesse quesito. Tanto os alunos violentos quanto os manequins que se mexem sozinhos são inimigos dos quais a maior parte dos jogadores, provavelmente, não se esquecerá tão cedo. Por mais que seja relativamente esperado, é difícil não se assustar quando, ao caminhar por um hospital, Mono é surpreendido e capturado por uma criatura até então inanimada, por exemplo.
Embora seja curto, com aproximadamente cinco horas de duração, Little Nightmares II é cheio de pequenos enigmas que podem fazer a jornada ser maior ou menor para cada um dos jogadores. Há momentos nos quais precisamos estar atentos ao ambiente para identificar pistas sobre como progredir ou aos sons emitidos por portas mágicas. Existem também situações nas quais você precisa apostar na própria intuição e saltar ciente de que não verá onde Mono vai cair — foi o meu caso com o puzzle do elevador enquanto andava por Pale City, por exemplo (eu até fazia alguma ideia sobre quão provável era que tudo funcionasse, mas errei no primeiro salto).
Felizmente, o processo de tentativa e erro não é constante no jogo, ainda que esteja, sim, presente em alguma escala. Muito mais incômoda é a sensação de que os comandos nem sempre são tão responsivos quanto poderiam ser. O pequeno atraso entre o jogador pressionar um botão e Mono pular, por exemplo, se mostrou frustrante em mais de uma ocasião. Principalmente, em situações nas quais Mono precisava correr um pouco antes de pular até uma plataforma mais distante.
Houve ainda uma situação particularmente irritante. Durante a fuga da escola, em certo momento, Six pula para o outro lado antes de Mono. No entanto, em vez de ela estender a mão para ajudar Mono, a inteligência artificial da personagem travou. Demorei muito para entender que esse era o caso, já que o salto não parecia tão impossível. Somente após eu reiniciar o jogo Six fez o que deveria fazer desde o início.
Além desses problemas de jogabilidade, e do fato de que controlar a lanterna na fase do hospital poderia ser (muito!) melhor, a experiência proporcionada por Little Nightmares II deixa uma marca positiva poderosa na memória do jogador. O estilo pode até nos fazer lembrar de outros jogos, como Inside e Limbo, mas os temas são trabalhados de uma maneira particularmente especial e os personagens têm um carisma absurdo.
Considerando que a maior parte dos grandes lançamentos da indústria, hoje, são jogos que levamos dezenas de hora para finalizar, sinto que Little Nightmares II permanecerá como um dos jogos que mais serão iniciados no meu console pelos próximos dias. A jornada de Mono e Six pode ser dura ou até mesmo trágica. Ainda assim, pretendo revisitar esse mundo e tentar salvá-los muitas vezes mais.
Quem deve jogar esse jogo?
Se você gostou do primeiro Little Nightmares e buscou por experiências semelhantes após concluir a própria jornada, a continuação é fundamental. Situada antes do primeiro jogo, essa sequência não apenas faz ótimas referências ao título original como também oferece uma jogabilidade muito mais adequada.
E, mesmo que você não conheça série, se você gosta de jogos independentes com toques de terror, trata-se de uma opção fundamental.
Misturando conceitos básicos de plataforma com enigmas constantes que dificultam o progresso na medida certa, Little Nightmares II é uma evolução do primeiro jogo em quase todos os sentidos. Tematicamente, pode até ser um pouco menos impactante do que o anterior, mas o game em si evoluiu em todos os demais critérios. A jogabilidade está mais sofisticada, ainda que falhe de vez em quando. A ambientação é genial. O uso do som para trazer mais peso à atmosfera é fundamental. São poucas as sequências que conseguem evoluir tanto em comparação com um antecessor tão conceituado. Não perca tempo: embarque na jornada de Mono e Six.