Tetris é um dos jogos mais famosos do mundo desde que ele teve a chance de conhecer, de fato, o mundo. E é exatamente essa a história que Tetris, o filme dirigido por Jon S. Baird, conta. Chegando direto para o streaming da Apple, em 31 de março, o filme se diferencia das adaptações já existentes, que contam a mesma história dos games que adaptam, por contar a história dos bastidores da criação do título original — mesmo que usando muita liberdade para isso.
Não me entenda mal: tudo bem o filme ter liberdade em relação ao que de fato é a história. Afinal, não é um documentário — e já existe um, da BBC, sobre como Henk Rogers conheceu Alexey Pajitnov. Tetris, do Apple TV+, transforma a história num thriller de Guerra Fria que convence, mas não é espetacular como o jogo da história que conta.
Taron Egerton vive um Henk Rogers tão entusiasmado e cativante quanto o da vida real: determinado a fazer o game que conheceu por acaso se tornar o mais jogado do mundo. Nikita Efremov, que vive o homem que criou Tetris usando computadores soviéticos, Pajitnov, também vai muito bem. Na verdade, não há nenhuma atuação ruim no filme. Por mais que os papéis mais exagerados, Robert e Kevin Maxwell, pai e filho vividos por Roger Allam e Anthony Boyle, destoem um pouco do tom do filme — talvez para mostrar que os dois, donos de um conglomerado britânico, de fato vivessem numa realidade própria.
Por outro lado, o papel dos dois é importante também para evitar que o filme caia no clichê de que toda a União Soviética é vilanesca e/ou corrupta. Sim, há o personagem de Igor Grabuzov que representa uma parte corrompida do sistema soviético, da mesma forma que Pajitnov e o personagem de Oleg Stefan, mostram os melhor do povo que vivia do lado de lá da cortina de ferro. Não é o sistema de governo que decide quem é vilão ou mocinho em Tetris e isso é uma das melhores coisas do filme.
Não é o sistema de governo que decide quem é vilão ou mocinho em Tetris e isso é uma das melhores coisas do filme
O que define, então, quem é o vilão? Quem quer Tetris para salvar o próprio império e usa táticas sujas para tirar o game das mãos do nosso herói, Rogers. E aqui é onde estão os maiores exageros do filme. Sim, a viagem de Rogers para a União Soviética em 1988 de fato foi algo maluco. A Guerra Fria já não tinha a força que teve nas décadas passadas, mas um norte-americano em Moscou não era uma ideia tão normal quanto se tornou após a queda do regime socialista.
Dito isto, os nuances de filmes de espionagem que acontecem podem (e devem) ser quase todos pura ficção e a verdade é que a maioria deles funciona — inclusive a sequência final da perseguição de ladas pixelados. Os elementos das viagens internacionais deixam o filme rápido (talvez até demais em alguns momentos) e servem para mostrar como o mundo era diferente antes de Tetris (o jogo).
Diferente a ponto de vermos, em uma das grandes cenas do filme, o primeiro protótipo do Game Boy, da Nintendo. Rogers consegue convencer a empresa japonesa que ter Tetris junto do portátil seria sucesso garantido — algo que aconteceu de verdade, como bem sabemos.
Em quase duas horas de filme, Tetris me entreteve e me deixou mais curioso sobre a história real do que aconteceu. Fiquei pensando mais sobre isso do que sobre o filme em si, o que não é algo positivo para um filme que não está preocupado em manter a fidelidade dos acontecimentos.
O filme me divertiu — inclusive pelas referências a outros games importantes do final dos anos 80 e por tudo da década em que o filme se passa (a trilha sonora é ótima). No entanto, não é um filme que assistirei com a frequência que pego o Switch para jogar Tetris — mesmo sendo ruim no game.
Tetris consegue executar a complicada tarefa de transformar uma história de bastidores de games em um bom filme. A trama envolvendo os perigos da Guerra Fria e os pilares de uma indústria que conhecemos e amamos se sustenta muito bem, mas falta muito para o filme se tornar um clássico atemporal como o game é.