Talvez eu esteja errada, mas parece que somente estúdios indie estão produzindo jogos com histórias mais complexas e profundas ultimamente. A sensação que tenho é que, cada vez mais, os títulos AAA preferem se ater a algo mais simples e mastigado, talvez para atingir um público maior. Mesmo que The Cosmic Wheel Sisterhood (A Irmandade da Roda Cósmica em tradução livre) seja de nicho, vale ressaltar que é um verdadeiro tesouro e um dos melhores jogos de narrativa que já joguei.
Trarei alguns spoilers da história a seguir, mas nada realmente revelador ou que vá estragar sua experiência. Apenas contextualizarei você sobre o mundo do jogo e sua lore, sem trazer pontos importantes ou impactantes para sua jogatina.
No jogo, você assume o papel de Fortuna, uma Bruxa Cartomante (especializada em prever o futuro nas cartas) que foi exilada para viver em um asteroide por um milênio por causar muito tumulto em seu coven.
Depois de 200 anos, ela decide invocar uma criatura extremamente proibida (um Behemoth) para se livrar da prisão. Ela sela um contrato com Ábramar e a partir daí sua história começa a avançar. Suas escolhas moldam o seu destino e o de todos que você conhece, pois no fim das contas você está alinhada com o cosmos… com a Roda Cósmica.
Neste universo as Bruxas ascendem em algum momento, pois estão predestinadas. Quando isso acontece se tornam imortais e não apenas lidam com magia, mas também com ciências avançadas. É possível viajar para outros planetas, pois existem seres mágicos de vários mundos e dimensões.
As Bruxas podem ser chamadas para um coven, mas não é tão fácil permanecer no grupo e elas podem, inclusive, ser expulsas. Além disso, também existem leis mágicas e organizações que as protegem, como se fosse uma espécie de “governo cósmico”.
O título foi desenvolvido pela Deconstructeam, que fez um excelente trabalho. Nenhum diálogo parece desperdiçado, nenhuma escolha parece em vão, a arte está fantástica e a história está impecável.
Antes de mais nada, vou deixar claro que The Cosmic Wheel Sisterhood não tem pontos negativos na minha concepção, exceto talvez por não estar disponível em português brasileiro.
A experiência narrativa é encantadora
Eu realmente gosto de jogos em pixel art, gosto do gênero de narrativa e da temática que envolve magia, mas especialmente quando é ampla e mistura tecnologias e outros planetas, como Hora de Aventura. The Cosmic Wheel Sisterhood conta com essa proposta, pois você pode lidar com criaturas multidimensionais e de outros mundos.
Além disso, você conta com aquela sensação de estar com o coração quentinho praticamente o jogo todo. Mesmo nos momentos mais intensos e, preciso dizer, dependendo de suas escolhas tudo pode se tornar um caos.
Algumas de minhas opções no começo do jogo afetaram profundamente o final e é algo que todo fã de títulos de narrativa busca. Mas isso também deu uma sensação agridoce, porque algumas escolhas podem ser infelizes e impensadas.
The Cosmic Wheel Sisterhood conta com uma história relaxante e emocionante, que conta com momentos de pura raiva e amor. Você odeia alguns personagens para depois descobrir que ele não eram verdadeiramente ruins, ao passo que ama outros para descobrir… que não eram o que você pensava. O tempo todo me senti em imersão total na história, ao mesmo tempo que tinha controle de tudo, percebi que, no fim, não tinha controle de nada.
O jogo consegue tocar em temas delicados, como amor, identidade, propósito, passado, futuro, escolhas, política e depressão. Tudo de maneira inteligente, de modo que se encaixa bem com um contexto cósmico, mas também humano e sentimental. A Deconstructeam teve sensibilidade para trazer tudo no ponto.
Existe uma mulher trans que ainda está com aparência masculina, mas ela ascendeu e se tornou Bruxa. Fortuna a trata sempre no feminino e ela se questiona como poderia saber disso e ela explica que somente mulheres podem se tornar Bruxas. Nós ajudamos na mudança de aparência dessa personagem e temos um papel importante em sua autodescoberta. O jogo nunca expõe o nome morto dela.
Não posso negar o impacto emocional que a história me causou. Cada um dos personagens me interessou e afirmo que não houve sequer um momento chato em toda a gameplay.
Eu estava determinada a matar uma personagem (tenho uma tendência estranhamente assassina em jogos de narrativa), mas situações aconteceram e eu entendi completamente o lado dela. Não apenas isso, mas deixei de odiá-la e senti gratidão por ela. Ao mesmo tempo, ainda estava com raiva da personagem e a considero uma pessoa injusta (pra não dizer tirana).
Geralmente jogos de narrativa são diretos e eu costumo sentir ódio ou amor por determinados personagens, mas nunca os dois, nunca essa ambiguidade. Isso simplesmente me fez travar em certos momentos.
Arte do jogo e criação de cartas
A arte de The Cosmic Wheel Sisterhood é de tirar o fôlego. Absolutamente delicada. Me lembro de me impressionar apenas com o trailer, mas o jogo provou que vai muito além. A trilha sonora também me ganhou e eu até mesmo aumentei o volume para ouvir.
Uma parte importante do jogo consiste em montar cartas de um deck para prever o futuro. Funciona como tarô, mas é mais profundo e completo, pois você pode acrescentar elementos variados do cosmos, incluindo mundos perdidos, criaturas multidimensionais e diversos outros símbolos mágicos.
Você trabalha com os quatro elementos – ar, água, fogo e terra – e pode misturá-los conforme obtém energias. Elas são necessárias para moldar as cartas, além de que cada leitura também as gera para você, de modo que é possível acumular para ampliar ainda mais seu deck.
Parte da “magia” é justamente criar sua própria arte e usar seu senso estético. Isso deixa o jogo ainda mais belo e completo, especialmente porque suas cartas podem afetar o destino de todos que cruzam o seu caminho.
Basicamente toda a história acontece dentro da casa de Fortuna e isto não torna o jogo menos espetacular. Inclusive, vai de encontro contra tudo o que esperamos, que geralmente são mundos espetaculares e gigantescos.
Dito isto, os diálogos e informações foram suficientes para entender como o mundo de The Cosmic Wheel Sisterhood funciona e é simplesmente encantador, pois nem tudo precisa estar 100% obvio para o jogador.
Mesmo que dure poucas horas, você pode jogá-lo novamente para obter finais distintos, especialmente porque você corre o risco de ficar com uma sensação agridoce por ter feito escolhas não tão boas no fim
Para concluir, The Cosmic Wheel Sisterhood é um dos títulos recentes impressionantes que joguei, e conseguiu alcançar a excelência em tudo a que se propôs. Simplesmente não consigo ressaltar um ponto negativo, exceto a ausência do português brasileiro.
The Cosmic Wheel Sisterhood é um tesouro entre os jogos indie e um das melhores obras de narrativa que já joguei. Não houve um momento chato em toda a história e eu me emocionei diversas vezes do começo ao fim. A Deconstructeam simplesmente foi excelente em tudo a que se propôs neste título.